Educação Física: objeto de estudo e importância no desenvolvimento humano

Educação Física: objeto de estudo e importância no desenvolvimento humano

Edilson Ferreira Gonçalves - PEI/UNISINOS

A área da Educação Física e seus objetos de estudo vêm sendo analisados por diversos autores nas últimas décadas. Segundo Bracht (1996) o ”objeto“ da Educação Física, ou seja, sua especificidade, é fundamentalmente a prática pedagógica. Gamboa, citado por Bracht (1996) entende que “a Educação Física, assim como a Pedagogia, estariam situadas em novos campos epistemológicos, cuja característica especifica seria exatamente a dimensão da ação (intervenção)”, para esse autor, a “EF seria então, uma ciência da e para ação”. O objeto da EF é um saber específico, uma tarefa pedagógica específica, cujo processo de ensino/aprendizagem é atribuído a esse espaço pedagógico: a Educação Física.

As várias denominações que surgiram ao longo do tempo para identificar o objeto de estudo da Educação Física, como ciência que trata da aptidão física, dos exercícios físicos, conferiu a ela características que a reconheciam a partir de uma proposta biologicista, onde o desenvolvimento físico e motor (aptidão física), era entendido como capaz de promover uma educação integral do ser humano, sem dar, porém, significado a ações culturalmente produzidas ao longo da história.

Outra concepção de Educação Física passou a vigorar com a absorção do discurso da aprendizagem motora, do desenvolvimento motor e da psicomotricidade. Passou-se a privilegiar o movimento humano como base para o desenvolvimento integral, promovendo uma educação do e pelo movimento. Nessa abordagem desenvolvimentista o movimento repercute sobre a cognição e a afetividade, “dos diversos arranjos/tarefas motoras para garantir o desenvolvimento das habilidades motoras básicas, com repercussões sobre os domínios cognitivo e afetivo-social” (BRACHT, 1996).

Podemos afirmar que as duas propostas analisadas (biologicista e desenvolvimentista) são despolitizadas. Apesar de levar em conta o contexto social em que os sujeitos estão inseridos, isso não é suficiente para politizar suas intervenções. Entendendo que uma educação integral deva contemplar todas as dimensões do ser humano, entre elas a política – num sentido de reflexão sobre o processo de negociação nas relações sociais – a educação física passou a ter uma postura mais crítica, como veremos.

A cultura corporal[1] passou a ser defendida como objeto de estudo da Educação Física, em 1992, quando um coletivo de autores passou a defender uma proposta critica-superadora que possibilitasse interpretar e estabelecer relações entre significado/intenção e homem/sociedade com possíveis mudanças sociais, do ponto de vista da classe trabalhadora. “Esta abordagem levanta questões de poder, interesse, esforço e contestação. Acredita que qualquer consideração sobre a pedagogia mais apropriada deve versar, não somente sobre questões de como ensinar, mas também sobre como se adquiri estes conhecimentos, valorizando a questão da contextualização dos fatos e do resgate histórico” (DARIDO, 2001). Essa abordagem tem um sentido político pedagógico. Político porque encaminha propostas de intervenção em determinada direção e pedagógico no sentido de que possibilita uma reflexão sobre a ação dos homens na realidade, explicitando suas determinações.

Já outra abordagem denominada crítico-emancipatória, cujo autor referência é Elenor Kunz, trata da transformação didático-pedagógica do esporte (título de um dos seus livros). Nessa concepção o ensino deve libertar de falsas ilusões, de falsos interesses e desejos, criados e construídos nos alunos pela visão de mundo que apresentam a partir do conhecimento. Utilizando-se da linguagem como expressão de entendimento do mundo social, fazem com que todos possam participar nas decisões, interesses e preferências, “de acordo com as situações e condições do grupo em que está inserido e do trabalho no esforço de conhecer, desenvolver e apropriar-se de cultura” (DARIDO, 2001).

Ao refletirmos sobre as abordagens aqui citadas, mesmo que de maneira superficial, verificamos o quão próximo da realidade elas se encontram no nosso cotidiano, se vinculando em uma totalidade teórica. Ora, uma teoria não anula a outra, pelo contrário, elas veiculam saberes construídos que auxiliam no entendimento do patrimônio pedagógico da Educação Física. Em um certo momento histórico o movimento em si bastava para atingir os objetivos da Educação Física. Atualmente esses objetivos são maiores, e somamos ao movimento a intenção (pedagógica e social) do desenvolvimento humano. Isso significa uma ação voltada para o desenvolvimento integral do educando, abrangendo suas dimensões cognitiva e instrumental, juntamente com os componentes éticos, afetivos, físicos e espirituais.

Uma visão de corpo na educação

Nesse item, desejo fazer breve comentário sobre a importância do corpo para a educação integral. Acreditamos que a educação pela via do corpo é mais significativa para o educando, pois encarnar idéias, sentimentos, imagens e emoções, é educar para a plenitude do sujeito.

Segundo a educação racionalista, fundamentada por Descartes (1596-1650), podemos falar em educação corporal e em educação intelectual, corpo e mente, “um mundo dos objetos, relevante para o conhecimento objetivo, e outro, do sujeito, um mundo intuitivo, reflexivo, que conhece de outra forma” (MORAES, 2004) De um lado está o espírito, a alma. Do outro, a matéria, as ciências. Esse pensamento racional afirmou que para se chegar a um conhecimento era preciso decompor a questão em outras mais fáceis até chegar a uma resposta evidente. O pensamento cartesiano reconheceu a superioridade da mente em relação ao corpo e concluiu que eram coisas separadas. A educação intelectual objetivava a razão como essência libertadora do ser humano. O corpo era elemento perturbador que precisava ser “educado” rigorosamente.

Para Bracht (1999), na sua maioria, as teorias de ensino e aprendizagem são desencarnadas, “é o intelecto que aprende” (p.71). O corpo é historicamente negligenciado pela educação. No entanto, segundo o autor, hoje há um “movimento no sentido de recuperar a dignidade do corpo no que diz respeito aos processos de aprendizagem” (p.71).

Moraes (2004) afirma que “matéria e mente são aspectos diferentes e inseparáveis de um mesmo conjunto”. O individuo constrói o conhecimento não apenas pelo uso do raciocínio e da percepção, mas sobretudo, pelas sensações e emoções. Encarnamos uma totalidade corpo e mente.

Para Teixeira (2004), “o corpo é parte inseparável no processo pedagógico”, onde o sujeito “é entendido em sua totalidade, onde o corpo e a mente se integram na construção do conhecimento”. Conforme Santos (apud Teixeira, 2004) o entendimento da amplitude da dimensão humana, deve partir da “concretude biológica do corpo humano, avança no conhecimento, analisando as inter-relações dos aspectos antropológicos (culturais), psicológicos, sociais, políticos, educacionais e filosóficos que envolvem esse corpo”.

Segundo Bracht (1999), o corpo assume papéis segundo as exigências sociais: corpo produtivo (necessidades produtivas), corpo saudável (necessidade sanitárias), corpo deserotizado (necessidades morais) e corpo dócil (necessidade de adaptação e controle social). Assim, o corpo precisa “ser alvo de educação, mesmo porque educação corporal é educação do comportamento humano que, por sua vez, não é corporal, e sim humano. Educar o comportamento corporal é educar o comportamento humano” (BRACHT, p.72).

Partindo do pressuposto que o corpo é indissociável do processo pedagógico, ele próprio, a partir das relações sócio-culturais, se constrói. Na perspectiva de uma educação integral, é importante conceber esse e por esse corpo um meio de reflexão da época em que vivemos. Fenômeno social que é, o corpo reflete a própria sociedade que se insere, entrelaçando suas histórias.

O corpo, totalidade indivisível, ser humano, é assim um ser de relações, cuja identidade é construída mediante interações com o mundo. É um ser contextualizado, original, singular, diferente e único. Porém inconcluso, inacabado, e conforme Moraes (2004, p.167) “necessita se educar permanentemente, desenvolvendo-se em direção a maturidade não apenas no crescimento físico, mas, sobretudo, num crescimento interior qualitativo e multidimensional, uma vez que todos os aspectos que o compõe se influenciam mutuamente. Um indivíduo que precisa sobreviver num mundo em conflito, num contexto em contínua modificação de parâmetros e referências, um sujeito em busca de condições externas de sobrevivência, que se esquece de suas condições internas e do fato de que aquilo que o distingue, na realidade, é sua capacidade de consciências e de reflexão.”

[1] “A expressão corporal é tomada como linguagem, conhecimento universal, um patrimônio cultural humano que deve ser transmitido aos alunos e por eles assimilado a fim de que possam compreender a realidade dentro de uma visão de totalidade, como algo dinâmico e carente de transformações.” (SOARES, 1992, p.42)

BRACH, Valter. Educação Física no 1º grau: Conhecimento e Especificidade. Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, supl.2, p.23-28, 1996

BRACH, Valter. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99

DARIDO, Suraya Cristina. Os conteúdos da Educação Física escolar: influências, tendências, dificuldades e possibilidades. Perspectivas em Educação Física Escolar, Niterói, v2, n.1 (suplemento), 2001.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educional emergente. Campinas: Papirus, 2004.

SOARES Carmem Lúcia. et al. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez, 1992.

TEIXEIRA, Juciane. Jogos Esportivos como Estratégia para o Desenvolvimento Integral de Crianças e Adolescentes. 2004. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2004.

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